sábado, 19 de dezembro de 2009

te amo, porra!

Queria te contar um sonho. um pesadelo. Ontem comi salada de berinjela com vinagre, devia ser meia noite. Acendi um cigarro, sentei–me num banquinho da área e fiquei olhando fixo para as grades da rua... escura e parada, sem pensar absolutamente em nada. Fiquei assim durante uns trinta segundos. Dei algumas tragadas e cocei o saco maquinalmente, atirei a guimba, balancei a cabeça e fui pro quarto. Peguei um livro e comecei a ler. Depois de alguns capítulos fiquei abismado por me sentir tão parecido com Henry Chinaski. Eu arriscava a minha personalidade com essa merda. E percebi como meu trabalho estava me imbecilizando. Notei o quanto tenho me tornado coisa. O quanto tenho adiado tudo. E que cada nervo do meu corpo estava ficando condicionado a agir só em função de coisas como dinheiro, chaves, papéis e outras porcarias. Mas deixemos isso de lado, eu queria era contar o sonho que tive. parece coisa de bicha, mas vamos lá então:

Fui ficando sonolento e não me lembro quando deixei que caísse de minhas mãos o Misto Quente. Deve Ter sido quase um desmaio, uma espécie de morte. Foi quando beijava aquela boca loucamente como nos velhos tempos. E sentia que ela era minha. Sentia-me forte e confiante. Sentia que era o dono da situação, e, portanto, não estava nem ai. De repente ela sorriu aquele riso inconfundível e me pegou pelas mãos. Foi me arrastando para um lugar cheio de gente que eu nem fazia idéia quem era. Aquela voz me dizia coisas sem parar num ritmo frenético e eu não entendia uma só palavra. Fui achando tudo muito estranho. Só piorou quando durante um átimo de tempo ela sumiu, andei procurando-a em meio aquela gente toda e logo a encontrei cercada por seguranças, homens negros sorridentes de dois metros de altura que me olhavam com escárnio e deviam me achar um bosta, o que fez me fez sentir-me isso mesmo. O que eu ia fazer? Naquele instante pensei que se tivesse um revólver mataria todo mundo naquela bosta, mas na verdade me sentia tão fraco que se tivesse mesmo uma arma provavelmente não conseguiria nem segurá-la e antes que eu me desse conta ela apareceu em minha frente com um bebê no colo. Não dava pra saber se era seu filho, pois era uma criança muito pequena. Ela parecia preocupada e melancólica. Eu não tive reação mas me senti esquisito. Ela me olhava como quem dizia – a vida é assim mesmo fazer o que, cara?!... foi quando apareceram dois coroas , um casal, que parecia ser conhecido seu. Eles não falaram nada que eu me lembre, mas parece que queriam que fossemos para a casa deles. Então eu a segui novamente, você me puxando por uma das mãos. Eu ia sem saber pra onde, mas um pouco aliviado por sairmos dali. Havia um grande tumulto e quando passamos por uma janela suspensa lá estava debruçada Samantha Abreu, que não era mais escritora e sim nadadora que havia acabado de conquistar uma medalha de ouro nos jogos inter-regionais e todos a parabenizavam. Eu queria parar para falar com samantha, mas ela estava com pressa e me puxava... de repente eu hesitei e ela sumiu mais uma vez na multidão. Samantha acenou para mim e fechou a janela para escapar daquela gente toda querendo se aproximar. Eu fiquei totalmente perdido. Não conhecia aquelas ruas. Todas estreitas demais e mal iluminadas. Fortes subidas por onde eu me arrastava sem forças para me mover. Sentia vontade de chorar, mas nem isso conseguia. Que merda, eu havia me tornado um sentimentalista Estava paralisado. Sentia medo. Sentia-me como uma criancinha de sete anos que se perdeu dos pais nas ruas da cracolândia. Uns caras mal encarados vieram me pedir uns cigarros para fazer cinza e eu dei. Eles se mandaram me avisando que a polícia iria pintar por ali. Que merda de amor, eu pensava. Eu só queria acordar. Estava quente, eu rolava na cama. O ventilador estava quebrado. Eu sabia que era sonho...
O despertador tocou as quinze pras oito como de costume; e pensei novamente... que merda...
Caguei, limpei o cu porcamente e dei a descarga. Bebi um copo de água provavelmente contaminada com coliformes fecais, vesti a máscara, acendi outro cigarro e fui pela rua do correio fumando e pensando; EU TE AMO, PORRA!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

na porta dos cabaréis

homenagem ao cego Oliveira


supondo-se que estivesse vivo naquele tempo devia estar com uns 40 e poucos anos e não tinha me arranjado em nada na vida. só andei por ai cagando e peidando, realizando tarefas banais a troco de migalhas. estava cansado e me sentindo com um século de vida desperdiçada. é isso o que chamam de vida? pois pra mim é uma espécie de morte. o sujeito nasce pra morrer e vive morrendo. a vida consumia a gente. consumia mesmo. e era tudo lixo. tudo a sua volta. o trabalho. a tv. a comida. a opinião pública. o senso comum. o normal. o anormal. a vida que as pessoas levam. cultuando bestas. sendo comandadas por idiotas. todos idiotas demais pro meu gosto. andava me sentindo muito idiota por fazer parte do mundo desses cretinos. pois o mundo é dos cretinos. eles ditam as regras. eles ocupam os espaços com a sua imundície. com toda a conversa mole de sempre. eles tocam a sinfonia e os ratos dançam feito zumbis chafurdando na merda.

eu andava me preocupando demais com essa porra toda. a vida. a morte. e todo o despropósito que separa uma coisa da outra. todo esse entulho se proliferando em minha mente. contaminando minha imaginação. não podia me concentrar com todo aquele barulho. não podia gastar mais meu tempo com aquilo. mas a vida era perda de tempo de qualquer jeito. não faz sentido mesmo.

mas saber que não faz sentido acaba fazendo algum sentido. então resolvi que amanhã seria um dia melhor.

eu precisava tirar férias. precisava sumir por uns tempos. mudar de cidade. de país. quem sabe saturno? precisava aparar o bigode e cortar as unhas e os pêlos do nariz. precisava de três mulheres e precisava ficar sozinho, às vezes. precisava comprar cigarros, tirar a cera do ouvido e me exercitar um pouco. precisava de um revólver - que é o pau mais duro que um homem pode ter...

esqueça tudo isso. eu só precisava arejar as idéias, clarear a mente um pouco, tirar o pó da goela. um pouco de diversão era o que eu merecia. todos nós, aliás.

sai pelas ruas um pouco mais confiante. sabia que era tudo uma merda mesmo e que a maioria das pessoas com seus cérebros de algodão doce não entenderiam isso nunca.
então me dirigi para o primeiro bar que fosse um pouco descente, o que pra mim significava bebida barata e um pouco de sossêgo. um homem precisa de um pouco de sossêgo, às vezes. passamos a vida toda inquietos, correndo atrás de algo que nunca sabemos extamente o que é. e quando descobrimos, vemos que não era nada daquilo que a gente pensava. só trabalho inútil. um monte de merda. então que pelo menos algum dia na vida um homem possa acomodar tranquilo o seu traseiro numa cadeira aconchegante e pedir uma bebida quente, para degustar enquanto fuma um charuto sem pensar em nada.
foi o que eu resolvi fazer.

o lugar parecia bacana. não tinha muita gente. alguns gatos pingados debruçados no balcão que atravessava todo boteco tomando conta da lateral esquerda de fora a fora. o garçon era um branquelo magro e comprido de bigode fino, parecia um cara desses que fazem alguma coisa no circo. atirador de facas. malabarista. palhaço. ou podia mesmo ser um anão disfarçado. naquele tempo eu não duvidaria de mais nada - se uma cadeira saisse voando eu não estranharia- mas acho que, ele, se trabalhasse no circo seria o limpador das bostas dos elefantes. mas no teatro da vida naquele exato instante ele era o garçon e eu, eu não sabia ao certo...

havia algumas mesas espalhadas pelo resto do salão e estavam quase todas desocupadas. escolhi uma mais no fundo, onde ninguém fosse me perturbar. o cara do circo me disse:
- o que manda chefe?
- sem essa cara. quem tem chefe é indio. eu só quero uma cerveja gelada.
ele me pareceu meio ofendido com o que eu disse e perguntou antes de ir:
- mais alguma coisa, cara-pálida?
- uma cachaça pra quebrar o gelo.
ele ainda me perguntou antes de ir:
- o senhor não deseja conhecer o andar de cima. temos ótimas estalações.
- não quero me hospedar, só vim atrás de um pouco de sossêgo e uns bons tragos.
- ok, sendo assim, sem confusão por aqui, hein!
- palavra de índio!

cada um que me aparece. deve ser um punheteiro da porra. cafetão dos infernos. as pessoas só pensam em foder foder foder foder foder e mais nada. isso é coisa pra bicho. se você não encontra alguem bacana a foda nem vale a pena. pagar pra foder, nem fodendo. de qualquer jeito é sempre meio deprimente.

quando o tocador de realejo foi chegando com a bebida eu pensei que teria o meu momento naquele dia. enxuguei o suor da testa e acendi um cigarro pra espantar os mosquitos. ele botou a bebida na mesa meio insatisfeito, jogou a ficha e mandou que eu pagasse na saída. se virou para o balcão e foi se afastando e eu não pude evitar o pensamento de que ele era um velho chipanzé doente se arrastando de um lado pro outro em sua jaula apertada. dei uma golada na cerveja e uma bicada na pinga, uma boa tragada no cigarro e a fumaça se dissipando em aspirais circulares, se espalhou feito nuvens seduzindo minha atenção, diluindo qualquer pensamento possível. um espécie de nirvana momentâneo. que é difícil descrever por que a experiência não requer palavras, segue outra lógica, a lógica dos sonhos, dos devaneios, dos delírios, enfim, foda-se,quem quiser saber melhor que levante seu traseiro daí e vá para as ruas experimentar as melhores e as piores coisas da vida. na maioria das vezes é tudo merda. mas não dá pra negar que as melhores coisas do mundo geralmente também são as piores.

tinha uns coroas interessantes por ali. uns caras das antigas. pareciam ter sido durões no passado, enquanto ainda não eram esses maracujas de gaveta que estavam ali bebendo e ouvindo música sertaneja. eu mesmo já estava me sentindo um cara das antigas. não me enquadrava no meu tempo. considerava o passado uma merda e o presente ainda mais. o que me mantinha vivo era o futuro. não que fosse alguma novidade ou que eu tivesse grandes esperanças. no fim ia dar tudo em merda mesmo. porém eu queria estar lá pra ver. queria saber como era essa coisa de morrer e tal. de qualquer jeito já tinha chegado até ali e iria até o fim. pensar assim era o meu jeito de ser um cara durão.

sequei aquela garrafa. matei a pinga e pedi outra rezando para que a mulher barbada não puxasse assunto comigo.

o garçon do circo de pulgas me pareceu indiferente dessa vez. enchi o copo e fiquei bebendo sem prestar atenção em nada - ouvindo aquele barulho ensurdecedor de gente conversando ao mesmo tempo e música tocando. e os grilos. e as cigarras. o cacarejo das mulheres. cadeiras se arrastando. copo quebrando. risada. grito. o eco dos ouvidos. todos esses sons misturados eram um mantra relaxante se você não parasse pra pensar, avaliar melhor a circunstância. de modo algum eu queria avaliar qualquer coisa. foda-se. já havia decidido. é preciso ser forte para saber com o que se está lidando e ainda continuar nessa. de alguma forma eu queria ter o controle.

bebi mais e mais. muitos cigarros. mais uma. mais outra. as garrafas vazias foram se empilhando em cima da mesa e eu já estava mais confiante do que devia. já não me importava se o mundo era um mar de bosta ou um paraíso afrodisíaco cheio de virgens. depois da décima cerveja seguida qualquer homem perde as estribeiras e acaba sedendo aos impulsos animalescos que são muito potentes quando se está de porre.

ela se aproximou da minha mesa. belas pernas. cabelos negros. e olhos de pantera. besta, ofereci um drinque. ela aceitou, é claro. sentou-se. cruzou as pernas. que pernas! ficamos ali jogando conversa fora. aquele velho blá blá blá de sempre. cada vez ela chegando mais perto. já podia sentir seu hálito de cigarro de menta. eu não ouvi uma só palavra. enquanto ela tentava me ludibriar na bicaria, meus olhos conversavam com aquelas pernas.

não conseguia pensar em outra coisa. me esforcei mesmo pra pensar em qualquer outra merda. na condição humana. em toda a merda política e financeira. na fome. na miséria. na porra da vida que se leva. na morte.

mas nada, nada funcionava. eu parecia a besta fera babando e só pensava com a cabeça de baixo. ela sem fazer cerimônia sentiu minha fraqueza e foi logo dando o bote. fez-me um elogio qualquer e eu baixei a guarda. então botou as mãos por debaixo da mesa e começou a acariciar a minha pica, que já estava quase estourando só de estar tão próxima daquelas pernas. eu queria aquelas pernas de qualquer jeito. queria entrar no meio delas. quando nascemos saimos do meio das pernas, é uma tendência natural querermos voltar para lá. naquele instante eu me casaria com aquelas pernas. antes do padre abrir a boca eu diria sim sim sim e cairia de joelhos.

ela percebeu que a coisa estava ficando quente e quase que bruscamente recolheu as mãos das minhas partes e pediu outro drinque. a desgraçada bebia mais que opalão seis canecos.
comecei a tentar prestar a atenção. fodeu. não podia me livrar do apelo daquelas pernas. e ela sabia bem o tesouro que guardava ali. e eu estava afim de descobrir qual era. não que eu já não soubesse como era, mas a gente sempre pensa que é um mistério de novo. a gente é trouxa pra caralho.
é assim que a banda toca. é assim que desperdiçamos energia. é isso o que aspiramos com outros pretextos. é isso o que chamamos de vida? é puxar a cordinha e ver a merda descer pelo esgoto. no fundo é só isso sobre o que escrevemos. é esse o motor da máquina. a razão da bolsa de valores. a causa dos conflitos internacionais.
perdão, mas bêbado pensa alto, por isso é mais sincero.

ela fez sinal com os olhos inclinando a cabeça e apontando pra escada. se lavantou ajeitando a saia curta e saiu rebolando na minha frente. a dança louca daquelas pernas - o velho ritual do acasalamento . e eu era um macaco punheteiro no cio seguindo aquelas pernas como os ratos encantados seguiram o flautista para fora do reino. seu feitiço era forte. seu preço, nojento. era terrível saber que ela estava fazendo aquilo por dinheiro. eu poderia lhe dar coisas mais interessantes, mas ela preferia dinheiro. depois pensei que se eu fosse ela talvez faria o mesmo. escrever de graça é um pecado mortal. cada um tem que usar o que tem. tudo vale a mesma coisa. entre a literatura e as pernas. eu fico com as pernas. pelo menos foi o que pensei na porta do quarto.

meia hora depois - foi o que pude pagar- eu estava do lado de fora. como se tivesse levado um belo chute no traseiro. e de fato a vida era um belo chute no traseiro da gente. e a morte o que seria? se persistirmos na vida um dia saberemos.

mas por enquanto eu precisava de mais um trago. minha grana já tinha miado. saí do bar e me sentei no meio-fio. de volta à estaca zero.

de repente um velho cego cantador se aproximou de mim com sua rabeca e eu já fui logo lhe avisando que não tinha um tostão. ele sacou de seu rude instrumento e tirou dele um som estridente e meio irritante com suas mãos calejadas. seus versos falavam sem fazer curva, sem nenhum vareio

seu moço não façavoroço
eu canto com muito gosto
pra quem quisé mi ouvi

eu canto só pu prazê
u qui eu não posso vê
cantando eu tento esquecê

nas pensões, nos botequins e nos hotéis
numa vida di prazê

u tempo foi si passanu
acabou-se a minha vivênça
i tudo foi si acabanu
uqui eu tinha di riqueza
perdi até o sossêgo
não mi deram mais emprego
nem sapato pra meus pés
acabou-si a fantasia
eu vou terminar meu dia na porta dus cabaréis.





quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

vida e morte de sebastião onório

meu nome é sebastião onório, mai tudo mundo me conhece só por tião. fui nascido i criadu na roça, tenho 54 ano i hoji moro suzinho. mai já fui casado trêis veiz i não tenhu nenhum fio. não mi arrependu nem mi orguio di nada dissu.
meu pai foi homi muito pobre. fio di homi muito pobre. famia grandi. tinha uns deis irmão. vivia sempre passanu necessidadi das coisa i inda por cima meu avô era homi muito brabo. rijo ca famia, otoritário. mai meu pai - meu véi sempri dissi- ele num teve instrução, foi inducado na basi da vara. era surra in todo santo dia, i das veis a noite tamem, quando a mininada fazia muito baruio entrava nu reio. o povo antigo da roça inhera sistemáticu pur demais, durmia cedo i levantava antis do sor. tinha que cuidá das coisa das roça, ará, campiná i tratá dos animar i isso era sagradu. tudo mundu tinha que trabaiá, deisde minino. cum meu pai num foi diferenti. deisde us 5 anu meu avô, o véio niculal martimiano, já fazia o cuitado fica ispantano passarim nas roça de arrois i levá us carderão di cumida pos mai véi qui já pegava nu batente. nenhum deis teve infância. era uns tempo difícir aqueis. toda vida inscutei essas istória. a muié du meu vô era mestiça india cum caboco. meu pai dizia que o véio niculal tinha catadu ela nu laço, inguar si fais cum criação braba. minha vó era braba. mai num era animar, sempre achei isso mei cruer da parti do véi niculal. mai ele era assim memo - meu pai dizia- num dianta, burru véi num pega marcha.
minha vó si chamava rosalina frausina di jesuis, mai u povo conhecia ela só por rosa. ela morreu quando meu pai tinha uns 5 anu didade. era doenti dus nervo, cuitada, i naquele tempo a midici na num era avançada qui nem inhé hoji i memo qui fossi niguem tinha dinhero pa í nu dotor. alem di sê muitu longi, lá na cidadi, i a condução sê difici, não si podia perdê dia di trabaio. trabaiava-si muito naquele tempo. trabaiava trabaiava i vivia na miséra. só us patrão é que inrriquecia as custa do suó du povo humirde i isso inté hoji é assim.
bão, quando minha vó morreu, meu vô ficô inda mai sevéro cus fio. virô un desgracê só. us minino, us rapaizin e as moça cumero o pão qui o diabo amassô na mão du véio. sofrero e sofrero tantu qui ficaru tudo qui nem meu vô. por modi cresce naquela miséra de vida, só trabaiano i trabaiano sem tê nada. ninguém deis escapô du destino crué du vei niculau. qui mar ô bem ,trabaiô a vida intera e morreu sem tê ondi caí morto. tudo eis passaro fomi i num tiveru istudo. resurtado ; ficaru tudo chucro.
casaru sem amô nu curação. fizeru um monti di fio qui fizeru mai fio. qui tamem crescero daquele jeito. eu, tião, sô um deis, mai só qui não tivi fio. num sei purque mai eu achei foi é bão. purque ua hora dessas us coitadim ia tá cu isntobago roncanu qui nem porca parinu. i eu num gosto di vê criança passanu necessidadi. sempre achei cus coitadim num tem curpa. são tudo inuscenti. qui vem nu mundão di meu deus sem pidi i paga u pato da misera dus antigu.
bão, eu nunca curpei meu pai, nem meu vô por causa du meu sufrimentu i das minha dificurdadi. sei qui eis era burro demais i simprão. num tinha tino pá sabê qui a curpa era dus ricu. us fazendero qui era us donu daqueis mundu di terra qui nóis trabaiva e cuidadva preles. nóis trabaiva discarço i passano fomi pos fios deis vesti sapatu bão di coru i enchê u buchu de cumê bão nus restoranti da cidadi. nunca passaru pela cabeça deis qui us ricu exprorava tudo nóis, us pobre. mai eis era donu daquelas terra tudo pruquê eis robaru dus indio. minha bisavó era india. se fô vê intão aquelas terra era nossa i eis qui robaru tudu di nóis, na pura marvadeza.
nói us pobre, sempre trabaiemu muitu. nossa vida sempri foi trabaiá i trabaiá, nóis num tem marvadeza. num queremu sai purai robanu terra dus oto. i si fô vê a terra num é di ninguém. é di deus i di quem trabaia nelas. nóis nem pricisava di tudo aquilu di terra. pá nóis un pedacim di chão pá prantá batata, mandioca i inhami já tava bão. só pá nóis te vida de genti. poi nói era genti mai vivia quasi inguar bicho.
eis num tivero cuca pá intendê essa falcatrua dus barão i só pur isso vivia um discontanu a disgraça no oto. us pai discuntanu nus fio uque us vô tinha feitu nus pai. i assim foi. foi ino. foi si aumentano a misera i u sofrimento i a arma desses homi foru ficanu cada veis mais dura. cada veis mai seca. cada vei mai chucra. inquantu us ricu foru ficano cada veis mai ricu .cada veis mai fominha i cada veis mai marvado.
eu num tivi portunidadi di frequentá as iscola, mai aprendi tudo isso cu a iscola da vida. di tantu apanhá i passá fomi, veno tudu aquilu acuntecê dianti das nossa venta. venu nossos parenti tudo morrenu i si debatenu entri eis. isperano um milagre dus céu ô ajuda du guverno.
deus já deu tudo pá nói. óia esse mundão ai ó. cheiu di coisa boa na natureza. terra pá nói prantá a vontade. pá tudo as famia. muita aguá pá bebe i pá tudo, dus rio i dus ocianu. as arvi, as pranta, inté as pedra deve di tê arguma servintia. i o povo inda qué mai di deus? deus já feis inté di mais. pruque já ouvi dizê qui inté otos praneta tem purai nu céu i ele deve de sê muito ocupadu pruque deve tê muita genti pió qui nóis pá cuidá. muito miserê pelu céu a fora. aqui nói podia resorvê nói memo. us homi. mai insperá ajuda du guverno tamem num dianta. eis só ajuda us ricu qui já num precisa di ajuda. u negócio era oto si us pobre si juntasse i resorvesse eis memo. tomanu tudo de vorta as terra qui us rico robaru du povo humirde. tuda a raiva qui nóis tem qui tê num é dus nossus iguar. nóis é tudo du povo. povo pobri sofridu, judiadu do sor.
por issu eu achei bão num tê fio. por issu eu num mi intendi cuas minha muié. eu num quiria judiá deis. batenu i dexanu eis passá fomi.
prefiri sê suzinho na vida qui minha sina eu sigo mió sem curpa. meu fardu eu carrego suzinho sem ajuda di ninguém i sem atrapaiá ninguém. suzinhu eu pensu mió, i intendu um poco du que acontece nesse mundu véio sem portera. vô morrê sem dexá conta pá ninguem. ninguém vai precisá chorá na minha cova. nem pagá minha sepurtura. por mim pode dexá meu cadávi apudrecê nu pasto pá matá a fomi dus urubu i dus vermi.
assim eu acho mai certu. demorô minha vida intera mai a vida du meu véio e a du véio dele pá arguém percebe issu. i assim num dévi di continuá poi sinão us homi ricu vão acabá inté cu mundo. acho qui minha istória podi servi di exempro pus jovi di hoji, fio di pobre qui vévi di quarqué jeitu. essa é minha herança preles i pra tuda gente pobri sufrida. i apruveitu pá dexá um avisu pus homi ricu se um dia eles mi ovi ; eu, tião, vivi qui nem bicho, mai num sô bicho, pur issu prefiru morrê qui nem homi. agora ocêis, us coroné, us fazendero, us propetáru, us guvernanti, fiqui sabeno, qui já num tarda a hora docêis tamem vai chegá , i aí qui eu queru vê pra que qui vai servi tanta ganança na faci da terra.

sujeito do verbo da oração principal

ó pai, ó padastro, ó filho bastardo!
ó senhor eu, mestre e escravo de mim mesmo
e de todo universumbigo
livrai-me da vaidade excessiva
e do orgulho cego
protegei-me contra a cobiça
esmagai em mim o ego
dai-me o senso de justiça
mas não deixai eu cair na ilusão
livrai-me tambem da realidade
porque minha é a ignorância
e meu é o medo
sem hipocrisia nem falsa modéstia
deixai-me cair em tentação
e deixai-me perder tudo
para que eu saiba dar o devido valor ao resto
para sempre
ame e ame pracaralho

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O Rei Mortadela

depois de mais um dia de adianto ferrado, pintando paredes, subindo e descendo escada, ele saiu exausto e foi descendo até as ruas debaixo. vasculhando nos bolsos da calça surrada e suja. era verão e ele suava feito um bode. andava não sei por que com a Billie Holiday na cabeça. e a grana só dava para um conhaque e um maço de cigarros vagabundos. começava a escurecer e estava um calor de matar. ele estava com uma sede dos diabos. entrou numa birosca perto da antiga linha do trem. atmosfera densa, azul de fumaça. as pessoas que ali se encontravam pareciam terem sido besuntadas com banha de porco.
sem fazer cerimônia ele adentra ao recinto. pede um conhaque presidente e um maço de vila rica. engole prontamente o conhaque, risca um fósforo concentrado e acende um cigarro. dá uma olhada ao redor e todos ali indiferentes. ele sai fumando pra espantar as moscas, amenizar o gosto de gasolina na boca e iludir a solidão. olha a rua de relance e chacoalha a cabeça para por as idéias no lugar. a lua está cheia, mas quem se importa com a lua por aqui? ele não. foda-se a lua fodam-se os lunáticos. é só uma coisa lá no céu, sem mais nem porque.
então ele enrola um cigarro de artista, dois ou três tapinhas e volta pra casa da mamãe pra encher o bucho com os restos frios da janta.
era estranho estar em casa - ele pensava: sempre fui um estranho na minha própria casa. ele sentia que precisava dar o fora logo dali senão quisesse enlouquecer antes da hora. se for pra enlouquecer, que seja na hora certa - pensou.
e ruminando planos para a fuga foi acometido por um desaranjo intestinal. algo que se contorcia dentro dele. e resolveu que seria melhor adiar a fuga... o que precisava agora era dar uma boa cagada. no momento seu cú falava mais alto do que a sua insatisfação e enviava intensos impulsos nervosos ao cérebro avisando-o do seu compromisso regular.
caminhou até o banheiro pensando como era ridícula e constrangedora a sua condição de ter um cú e de ter que adiar a arquitetura de seus planos de vida para soltar bosta por ele.
e render-se ao velho ritual. o rei mortadela arreia as calças e senta-se em seu trono. contrai toda a musculatura do abdomem e força. a expressão do rosto copia. sente a coisa caminhando pelo intestino e isso lhe dá uma sensação relaxante. todos os resíduos cotidianos de uma vida de merda viajando pelas tripas até desembocar na extremidade externa do reto - o famigerado e simpático ânus.
eis que em sua atividade corriqueira ele havia sacado o perfeito retrato da triste realidade humana - somos verdadeiros tubos processadores de merda - ele tinha um modo peculiar de apreciar aquilo, antes de dar a descarga se levantava, limpava a bunda a grosso modo e ficava olhando em silêncio por alguns segundos antes de dar a descarga. depois puxava a cordinha com desdém e nojo de si mesmo e de todo mundo.

não podia negar que a sensação era a de um certo alívio. porém, era um tanto frustrante sentir prazer com aquilo. fumou mais um cigarro e se recolheu para seu quarto, onde a solidão lhe inspirava alguma dignidade. ali não tinha escapatória. não havia mais nada a fazer. meteu a Billie Holiday no estéreo e deu uma de Bukowski - socou uma punheta e ferrou no sono.

Pergunte ao Pobre

- boa tarde.
- O que você quer aqui?
- não precisa se assustar.
- aqui nada mais assusta. o que você quer aqui rapaz?
- Quero seu nome, seu número, sua alma se você bestar.
- Quem é você seu ramelão?
- Tenho a credencial - olha aqui ó . Sou o governo personificado . O respaldo do ideal burguês na pele de pobre, matando pobre, roubando pobre, constrangendo pobre.
- Ah tá! Sendo assim...
-nome?
- é zé.
-sexo?
- gosto bem...
- feminino ou masculino?
- tanto faz, mas eu prefiro muié.
- Quantos anos você tem?
- muito menos do que parece!
- Qual a sua cor?
- Cê é cego, porra?
- Sabe ler?
- Vai se fuder!
- Trabalha?
- Pra caralho! E nas horas vagas ainda sobra tempo pra comer a sua mãe!
- Gostaria de trabalhar mais?
- Nem fudendo, sua mãe sentiria minha falta, seu viado!
- É voluntário em alguma coisa?
- Mato pelo gosto! Só pra ver o boneco deitar, só pra ver o tombo.
- Pratica algum esporte?
- Corro da polícia. Quando acaba a bala.
- Paga imposto?
- Pago mais do que devia pras esse canas filhosdaputa, sustento a família dos canalhas.
- Recebe algum benefício?
- Só no natal. Visito mamãe e a Creusa, guerreira de fé.
- Tem conta no banco?
- Não porra! Por isso vou pras cabeça...
- Gosta dos Beatles?
- Que porra é essa?
- Música?!-pensa, mas não fala- coisa que o governo esconde no cofre e só chega aqui depois do asfalto e da água encanada.
- Ah! De música eu gosto! REP, forró, régue...
- Recebe ou paga pensão?
- Não e sim.
- Tem quantos televisores?
- Televisão? tem três. Um em cada canto do barraco.
- tá explicado...
- o que?
-nada não, calor pra caralho...
- Você é feliz?
- Você é?
- Adeus, obrigado por responder ao governo! Fica com Deus aí!
- Vai pela sombra!
E nunca mais se viram, os pobres diabos...

2009 foi um ano ruim

afinal adivinhates no declínio dos seus dias, sem mistério, com uma emoção extrema, a vulgar cobiça entre criaturas sedentas do que quer que seja. podes fitá-las a procurar e a descobrir. qualquer coisa - se alguém consegue pensar em algo que não existe, então existe. isso é o que se chama de invenção. eis me aqui invadido por um maldito pressentimento indefinível. pode-se perfeitamente viver com um inferno no coração - como uma declaração de amizade.

fixando-o com seu olhar penetrante e calmo, assim que atingisse seus trinta anos quebraria a taça. pois era tempo de partir. declaro-te que estou inquieto. daremos a nós o repouso merecido. não terão segredo algum para conosco. porque lembrarão daquela perturbação diária e todos serão verdadeiramente livres. persuadidos do pecado, permitiremos mesmo que pequem. eles nos escutarão com alegria e entenderão ao seu modo. os segredos mais penosos de nossa consciência. e a gente se cala, dorme e ri da gente mesmo em silêncio...

eis a vossa filosofia : a abstinência é verdadeiramente maravilhosa, não covém romper o jejum. mas isso é apenas um símbolo. uma alegoria. diante do teu assassino curva a tua cabeça condolente. eis o que tenho acumulado desses absurdos. porquanto minha franqueza tem assustado os canalhas comedidos. pois mordo sem nenhum orgulho o medo de suas coronhas.

o senhor não deveria beber mais conhaque. vossas palavras ditas assim simplesmente não me irritam. somente mergulham - me numa profunda perplexidade de indiferença. talvez tenha se enganado ou não tenha empregado a palavra devida.

foi um pouco como a consciência sofrendo surras diversas o que estruturou nossa doída rotina. como se antes de tudo já não fosse a fuga. na qual se golpeia, injuria e ameaça com palavras toda emoção contida.

não podemos agir pelas vias ordinárias. é um modo de esquecê-lo fácil. de fato. mas pode haver muitos outros medos e pesadelos por ai... ó beibi, isso está plantado dentro do meu cérebro. e costumo levá-lo por onde ando. seria preciso conhecer todas essas condutas delicadas...

por ora possua a magia e a dança imitará sua posse. muitas outras tritezas serão suprimidas. e nosso corpo como meio de encantamento se alegrará. certamente pergutarás o que convém. nesse instante: a imagem mental desembaraçada do que a estorva. assim possuirás uma significação própria. é o que explica as emoções finas. o sempre terrível estado atual das coisas.