quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Sr. Carpinejar

Foi um verão infernal aquele de 1999. Eu caminhava pelas ilhas de calor que se formavam naquelas ruas sujas, rachando os miolos das pessoas e o concreto armado das paredes. Sendas de abismos se abriam na terra seca e o piche derretia sob os pés, dificultando ainda mais a mesma caminhada de sempre, tornando-a ainda mais pegajosa. O mundo nunca tinha sido tão quente como naquele maldito verão. Entre suores e fadigas brotavam brotoejas por todos os poros. Aquele clima propício para a proliferação de germes e bactérias era um prelúdio do que seria num breve futuro o inferno romântico das pessoas. Com um sol de quarenta e cinco graus na cabeça eu não conseguia pensar em nada. Céu ou inferno pareciam uma coisa só e algo me dizia que mesmo com o tempo bom ou ruim forças estranhas no mundo estavam agindo para a minha ruína.

João Fontes, segure a bronca, eu disse a mim mesmo. Não é hora de fraquejar. Tente colocar o trem nos trilhos. O que está acontecendo, vamos, pense! Deixe de preguiça, homem!

Lá estava eu em Paraisópolis, aos vinte e três anos de idade. Tinha acabado de terminar o supletivo do secundário e estava desempregado. Tinha uma aparência medonha. Meu rosto era salpicado de feridas, meus dentes eram tortos e meu nariz parecia uma gigantesca noz.

Eu era filho de um operário da industria de garrafas que estava desempregado há dois anos. Minhas roupas eram quase trapos. Não tinha nem um sapato decente. E minha mãe rezava todas as noites para que eu me aprumasse na vida.

Após abandonar a pobre propriedade paterna e sair em busca de alívio para o próprio sofrimento, atingi um grau considerável de decadência e miséria. Conseguira vestir-me de todo desejo, todo ódio e toda ilusão, tornando-me praticamente um inútil. Como numa casa de mau teto, onde as águas das chuvas, entram, numa mente confusa e vazia o desejo sempre entrará.

Porém guardava dentro de mim um segredo sobre o meu futuro. Algo que me livraria daquela penumbra financeira e moral. Pensava eu ter ainda uma carta na manga. Um truque sobre minha verdade que eu mesmo teria que descobrir se quisesse usá-lo a meu favor.

Em outros tempos eu talvez não hesitasse tanto em revelar minhas veleidades, mas agora eu envelhecia muito rápido por causa do calor e da vida miserável que levava. Eu tinha que economizar em tudo; em palavras, em sonhos, em energia, até em papel higiênico, se quisesse manter alguma dignidade.

As coisas pareciam não funcionar como deviam. O mundo parecia estar de cabeça pra baixo. Não conseguia entender como haviam tantos imbecis tão bem sucedidos no mundo. Os cretinos dominam o mundo em todas as áreas. Eu não era um completo idiota, sabia disso, não me achava um gênio, pois um resto de bom senso em mim o sol ainda não havia derretido. Mas eu era algo. Algo que não deveria ser totalmente desprezado pelo mundo. Assim como eu, devia haver milhares por ai. Todos sendo tragados pela rotina, a miséria e a obscuridade. Todos com algum truque na manga esperando a hora certa para dar a cartada final que viraria o jogo. Eperando a hora que nunca vem, enquanto sustentam o luxo dos cretinos com aparência de bem sucedidos.

Porém eu era do tipo a que não bastava elogios e honrarias póstumas. Sou mundano o bastante para aceitar em vida uma recompensa financeira. Se Deus quisesse me dar algo que fosse agora. Não me encontrava em condições de recusar um milagre. Precisava de um trabalho. Um do qual me sentisse digno de realizar. Algo que fizesse algum sentido para mim e que me pagassem razoavelmente por isso, por produzir algo relevante. Mas isso deveria acontecer aqui na terra e não no além. Todavia a coisa estava tão feia que eu aceitaria de imediato, literalmente, qualquer merda, até mesmo ser limpador de latrinas.

Procurar trabalho para mim sempre foi uma das piores coisas do mundo. uma das mais constrangedoras sub-atividades que o sistema impõe às ovelhas, quer dizer, às pessoas. Eu me sentia constrangido por ter que parecer educadamente servil e aceitar qualquer migalha para fazer algo que era quase sempre inútil e sem sentido.

Mas a fome não espera e a fivela do cinto não suportava mais furos, muito menos a dona da pensão admitiria que eu atrasasse mais um mês de aluguel. Então, mais uma vez, para remediar a situação, eu tive que me meter com essa gente. Tive que vestir uma máscara de interessado e partir pro jogo sujo de sempre. Mais uma vez era preciso adiar os sonhos e cravar unhas e dentes naquela triste realidade.

No dia seguinte deixei de almoçar para comprar o jornal. Com o estômago roncando, sentei-me num banco de praça e abri aquele jornaleco. Não pude evitar o pensamento de que havia desperdiçado um prato feito naquela idiotice, porém eu não podia me dar ao luxo de desperdiçar também o que já havia desperdiçado. Afastei esta perigosa reflexão da mente e pensei um pouco mais adiante. Fui direto aos classificados.

E então descobri que se vende e se compra de tudo na face da terra. O comercialismo definitivamente dita as regras no mundo dos cretinos. É eletrodomestico, televisor, automóvel, barco, motocicleta, piano, terreno, imóvel, orgãos vitais e até mesmo mulheres, sobretudo mulheres. Sem falar nos mais diversos serviços que nos são oferecidos como verdadeiros milagres. Oferecem-nos o mundo e o fundo sempre por uma pechincha.

Mais uma vez tive que me controlar para não desistir, além do calor terrível o mundo se tornava inóspito por diversos motivos e o comercialismo era um deles. Porém na situação em que me encontrava não poderia exercer meu senso crítico, pois eu precisava comer e pagar o aluguel.

Encontrei um anúncio que me pareceu bom. Uma vaga para ajudante de tipografia. O salário não era lá grandes coisas, todavia, naquele momento seria o mais perto que eu poderia chegar da literatura. Circulei o anúncio e no dia seguinte bem cedo vesti minha melhor roupa, que para muitos poderia ser pano de chão, e fui até o local indicado.

O lugar não era muito longe dali, porém eu teria que pegar um ônibus se não quisesse chegar lá todo suado, pois o sol estava de rachar. Emboquei no primeiro ônibus, que por sinal estava lotado. Tinha tanta gente amontoada lá dentro que algumas pessoas se penduravam nas portas. Pensei que seria terrível partcipar daquilo todos os dias pro resto da minha vida e quase saltei pela janela do ônibus em movimento. Foi quando percebi que haviam pessoas que aparentemente estavam em condições muito piores que a minha. É bizarro este pensamento, mas às vezes a desgraça alheia conforta a nossa. Pensei que deveria me concentrar na minha própria miséria e esquecer a dos outros se quisesse sair dela. Se eu não o fizesse quem o faria por mim?

Saltei do coletivo bem perto da tipografia, que mais parecia uma oficina abandonada. Entrei no recinto e lá estava um homem magro, sentado olhando para alguns papéis, óculos no nariz, ele parceia nem ter notado a minha presença e continuou o que estava fazendo. Eu pigarriei e ele levantou os olhos com algum desdém por debaixo dos óculos na minha direção. Bom dia, eu disse, vim para a vaga de ajudante de tipógrafo. Ele manifestou indiferença ao que me respondeu: não posso pagar muito e o trabalho é duro. Tudo bem, eu respondi, desde que aprenda alguma profissão. Ele me perguntou: você tem alguma experiência na área? Eu disse que não, mas que tinha boa vontade e facilidade em aprender, além do mais estava interessado pois necessitava por demais daquele emprego. Ele fez mais algumas perguntas e no final perguntou se eu sabia ler. Como assim? perguntei. Ele disse num tom jocoso: oras filho, sabe diferenciar um A de um Z? Ó sim é claro, eu disse. Pois bem a vaga é sua, Shakespeare. Pode começar amanhã, tire o resto do dia para acertar sua documentação e ir ao médico. Você precisa de um atestado de sanidade mental e fisica. Eu pensei: Mas que porra é essa? Disse: Porque eu precisaria disso? Bem, filho, é para sabermos se você é louco ou não, se está apto para o serviço. Mas o senhor não pode ver com os próprios olhos que estou apto? Não filho, não sou psiquiatra. Mas é que uma consulta médica custa caro e... Bem filho é pegar ou largar.

Sai dali puto com aquilo, como é que pode ser preciso que um homem tenha que atestar a sanidade do outro, oras se um sujeito não é capaz de saber sozinho se é louco ou não, já demonstra um certo grau de loucura. Por essa lógica quem é que garante se o cara que vai atestar minha sanidade não seja ele mesmo louco. Seria preciso um que atestasse a sua antes e outro que atestasse a do outro e assim por diante até que ficasse provado que a humanidade inteira estava apta para habitar o gigantesco hospício que seria o mundo.

Mesmo assim eu precisava do emprego e tinha que me submeter àquilo se quisesse continuar respirando e me arrastando por ai. Rodei a cidade inteira atrás do tal atestado. Em todo consultório que eu perguntava era a mesma conversa. Teria que agendar uma consulta para um clínico geral que me encaminharia para um psiquiatra e... todos eram mais caros do que eu poderia pagar. Eu teria que trabalhar um mês inteiro sem receber para pagar aquele papel. Pensei ser meio estranho que as pessoas tenham que pagar para conseguirem um emprego, se elas justamente precisam do emprego para poder pagar o que quer que seja. Talvez fosse preciso que muitas pessoas como eu fossem mesmo miseráveis para que fosse possível que o mundo dos cretinos funcionasse a seu modo.

Voltei para a tipografia sem o maldito papel. Pensei que se demonstrasse o esforço e o interesse que havia despendido em conseguir o tal papel já seria o bastante para inspirar alguma compaixão ao tipógrafo, mas de fato eu estava enganado.

Fui à diversas clínicas, são todas muito caras e eu não tenho dinheiro. Pois vá até um hospital público, o governo disponibiliza médico de graça aos pobres. Mas a fila é enorme e eles dão prioridade às emergências, eles vão rir da minha cara e vou ficar meses na fila de espera. Bem garoto, é isso ou nada. Não pode trabalhar comigo sem o atestado. É assim que a banda toca e você terá de dançar conforme a música se quiser fazer parte do show. Tá bem, mas não há outra forma de conseguir esse maldito atestado? Bem, olha aqui menino, eu não sei porque, eu não devia mas vou te dar uma colher de chá. Olha, toma esse papel aqui, vá até este endereço, na porta do prédio haverá um cara vestindo uma placa de vende-se ouro, diga a ele que quer um anel de quinze quilates e ele te levará até o cara que te fará o atestado por quinze paus, mais barato que isso não dá. Não diga nada sobre mim. Lembre-se, aconteça o que acontecer, bico calado. Mas se o senhor sabe que o cara vai me vender o atestado sem ao menos me examinar por que diabos eu precisaria desse papel? Oras menino, logo se vê que você não entende nada mesmo de negócios. É um documento. Uma garantia para nós dois. Mas que garantia? Só se for a garantia de que vou ter que vir trabalhar a pé durante duas semanas. Olha jovem, você não saca nada mesmo. Um documento carimbado e assinado com o timbre do cartório vale mais do que a própria realidade. Se você conseguisse um atestado de óbito nessas condições, eu o daria por morto ainda que me entreguasse o documento em mãos, entende? Não! como eu poderia entender uma coisas dessas?! Bem, se estiver interessado no emprego é assim. Mas... Sem mais, é isso e pronto.

Saí dalí injuriado, aquele homem devia ser louco, mas eu não estava mesmo em condições de questionar, fui direto para o tal endereço no centro e chegando lá segui as instruções dadas pelo tipógrafo.

Disse ao tal cara vestido com a placa que desejava um anel ... ele me olhou de cima em baixo meio desconfiado e me perguntou: Quem te mandou aqui? Eu respondi: você sabe, eu não posso falar. No que ele me pediu para que o seguisse até o segundo andar, onde ficava o suposto consultório. Subimos por uma escada em caracol e chegamos até a porta da sala do suposto médico. O prédio parecia estar abandonado. O cara me deixou na porta da sala, me pediu que aguardasse ali em silêncio e saiu. Oras, não havia ninguém por ali, será que ele pensou que eu iria conversar sozinho, às vezes faço isso mas nessas ocasiões costumo ser bem silencioso. Esperei uns quinze minutos até que a porta se abrisse e um homem que não se parecia nada com um médico me pedisse que entrasse. Sente-se, pois não? Quero um anel... antes que eu terminasse a frase ele pegou uns papéis na gaveta e começou a rabiscá-los a torto e a direito. Sem olhar para mim me fez algumas perguntas: O senhor tem alguma doença grave? Não. Tem algum vício? fumo cigarros. Ora isso não é vício, ele respondeu sorrindo. Você é louco? Se sou ou não, o senhor está aqui para responder a essa pergunta! Nada disso, está redondamente enganado, estou aqui para assinar esse papel e dar uma carimbada, esse é o meu trabalho. Ainda que você fosse mesmo louco com essa assinatura e esse carimbo estaria apto para governar o país. E soltou uma gargalhada tenebrosa. Vamos, você é ou não? Desconfio que estou ficando de uns dias para cá, respondi. Bem filho, um pouco de loucura é sempre bom. Assinou o papel, carimbou e o empurrou arrastando-o pela mesa na minha direção. São quinze pilas, dinheiro vivo, de preferência uma nota de dez e uma de cinco. Peguei o papel nervosamente, atirei o dinheiro em cima da mesa e dei o fora dali.

Bem, já era tarde, no outro dia eu iria ter com o tal homem na tipografia, munido do maldito atestado. Só fiquei imaginando o que seria desta vez...

No dia seguinte tive que ir a pé até a tipografia, debaixo de um sol escaldante, caminhei durante quarenta minutos dentro daquele forno aceso que era aquela velha cidade suja. Lá chegando pude notar que a porta estava fechada e que havia uma placa de aviso com letras miúdas. Achei estranho e me aproximei para ler o que estava escrito: Por motivo de força maior hoje não posso atender, em caso de emergência arrombe a porta. Apesar de estar puto com aquela estória, não pude conter o riso ao ler aquilo. O cara devia ser mesmo louco, onde fui me meter, eu pensei. Balancei a cabeça, tirei o atestado do bolso e pensei: continuo desempregado e quinze paus mais pobre. Rasguei o papel em mil pedaços e os atirei no passeio público, pensando, tomara que entupa os boeiros e encha essa cidade de merda de uma vez.

Fui para casa e fiquei pensando naquilo (Andava pensando demais pro meu tamanho). Pensei que daria uma boa estória. Peguei papel e caneta, sentei-me e comecei a escrever mais ou menos a realidade sobre o que havia sucedido. A coisa fluiu bem até emperrar no final. Percebi que o desfecho não fazia nenhum sentido e decidi que voltaria à tipografia no outro dia para esclarecer o caso.

No outro dia bati de novo até lá, mais uma vez caminhando no inferno daquela cidade. Aquele verão parecia eterno. Um aviso interminável de um apocalipse próximo.

Dessa vez a porta estava aberta e o homem estava lá sentado analisando seus papéis como no primeiro dia.

- Ei cara, escuta aqui, você pensa que eu sou trouxa ou você é mesmo um doido varrido?
- Nem uma coisa nem outra, porque?
-Isso aqui é mesmo uma tipografia? você é mesmo um tipógrafo?
- Claro que não, você está vendo por aqui alguma prensa ou alguma maquinaria que faça disso uma tipografia? isso é só uma oficina abandonada, pelo jeito você nem sabe o que é uma tipografia. E eu não sou tipógrafo nem aqui nem na China.
- Oras, então porque colocou aquele anúncio?
-Sim eu coloquei, mas estou arrependido, vou mandar tirar hoje mesmo aquela merda. Vocês compram o jornal, lêem os classificados, encontram o anúncio, vêem até aqui e ainda eu é que sou louco?
- Mas porque diabos colocou o anúncio? Se você não é tipógrafo, o que é?
- Sou um terapeuta literário, devolvo a inspiração aos escritores, mas pelo jeito estou vendo que você é só um aspirante, não posso devolver a uma pessoa algo que ela nunca teve. Só me aparecem amadores por aqui...

Mais uma vez apesar de querer estrangular aquele cara não pude evitar o riso.

-Tá bom então, você é um terapeuta literário que devolve a inspiração aos escritores e como você pensa que faz isso?
-Eu simplesmente boto o anúncio, eles vêem até aqui e eu os oriento como posso. Dou a eles a chance de descobrirem um motivo para escrever. Executo neles uma espécie de desbloqueio criativo.
- Você é um falsário isso sim!
-Olha filho, você me parece um rapaz inteligente e bem capaz de compreender o que vou lhe dizer. Eu sou um velhote meio burro, que mal sabe escrever, mas tenho tino pros negócios, tenho visão e experiência de vida o bastante para orientar quem não sabe o que quer. Esse é um dom divino, tenho que usá-lo a meu favor, concorda?
- Mas isso é enganar as pessoas!
- Não senhor, meu negócio é limpeza. Eu dou às pessoas o que elas procuram e elas me gratificam como podem. Não obrigo ninguém a vir até aqui.
-Tá mas e a estória do atestado, que merda é essa?
- Bem, como você pôde constatar eu não cobro pela consulta e um homem na minha idade precisa livrar o seu de alguma forma.
- Então você está de conxavo com aqueles falsários?
- Eu prefiro dizer isso em outros termos. Digamos que naquele prédio funciona uma extensão do meu negócio e que aqueles camaradas são meus sócios.
-Voce é um grandessíssimo filho da puta, isso sim!
- Bem filho, minha mãe nunca foi puta, ela era cafetina. Apenas herdei dela o talento pros negócios.
- Eu não sou nenhum escritor querendo de volta sua inspiração, sou um miserável desempregado que por desespero e fome se meteu numa roubada, quero meu dinheiro de volta.
- Bem filho, infelizmente não trabalhamos assim por aqui, mas se você está descontente com nossos serviços, simplesmente me entregue o que você escreveu e eu te darei um trabalhinho na firma.
- Não quero trabalhar pra você seu velho agiota. Sou pobre mas sou honesto, não quero viver de enganar as pessoas necessitadas.
- Tá bem, então apenas me entregue o que já escreveu e eu te devolvo os teus quinze paus.
- Mas como pode ter tanta certeza assim de que eu escrevi algo?
-É batata filho, o metodo com que trabalho é infalível. Se o cara for escritor ele vai escrever.
- Tá, eu confesso que escrevi algo sobre isso, mas a estória ficou sem um desfecho e...
- Ah, sim, eu já sabia, por isso voltou, você quer um final para o seu conto, porque não disse antes...
- Eu vim por curiosidade, mas mais pelo dinheiro.
-Quer um final ou o dinheiro?
- E você seria capaz de me dar um final?
- sim, claro, você deve saber mais do que eu de que uma boa estória deve acabar bem. Deve no mínimo ter um final impactante, surpreendente e satisfatório.
- Sim, talvez...
-Mas um grâ finale custa caro.
-Oras, eu sabia, depois de tudo isso o sovina ainda quer levar as minhas calças!
- Não, mas talvez somente o recheio...
- Vá te fuder seu velho tarado!
- É o preço da glória! risos
- Olha aqui, o senhor que vá tomar no seu rabo, o leitor que me perdoe, mas eu não dou mesmo para escritor, adeus!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

re-impressões

transcorre desta viagem sem volta a palavra verde esmeralda derrubando a solidão fantoche escolhida que não avalia a hora de explodir. não faz censuras ao pensamento. calada urinava sem empenho nas escadas, sobre fábricas de ilusões miúdas, cravada em armaduras de gigantescas pedras orgulhosas. mil vezes papéis rasgados. meu endereço marcado na sombra. tudo se acabando. indifenças desabafos e permaneço a invadir, descobrir e comer. não sabemos dividir. acumulamos dívidas. paraísos enroscam-me narizes nuvens névoas infernos. o que me espera? fosforescente e secreto. incoerência mágica e trágica. terrivelmente penso em títulos, ações, escravos e senhores. desejos escuros deixam minha tristeza sem história. toda noite não escrevo livros para as prateleiras. nem com lágrimas e moléstias despertamos o que escorre dentro da gente. monumentos de perversos caminhos. vivemos tão bobos e estupefatos. a pureza. conseguiremos resgatar com tanta maldade? chegaremos tantas vezes como nada. terá esse nome desacreditado a idade do mundo. nenhuma insurreição desnecessária. o silêncio apenas tem direito sobre o esquecimento. o mecanismo da alegria. piedade e destruição. quando tremeu vitoriosa e apodreceu maltratada a felicidade. falaremos disso algum dia. garrafas, sonhos e nada disto. muito bem, temos pudores para que ninguém nos ouça, mas vai acontecer. não haveria núpcias. inútil esperança. o que não fizemos cada um de nossas próprias vidas. tempestades de nossa juventude. o entardecer. tarde demais. com melancólicos chutes nas estrelas. com desdém. tão generoso e correto como a morte agonizante consola o menosprezo e a fúria. divertindo-se. as ruas. o amor. as eras. dirgerindo cabeças profundas e mal vestidas. ásperas. sórdidas nutridas de seu tempo. passáros embalsamados a sua maneira. serventes para moedas. não há memória e ternura. continuo a anotar caminhando na esteira da morte. respondo à escuridão. claro. continua a terra. austera. cárcere elegante crepúsculo ou cama. para repousar e ouvir dentro dos olhos o canto selvagem e seguem súbitos amanheceres amarelos. dormindo renegado em travesseiro de espinhos. trazia dentro o vazio e os traidores odiaram esse charme. porque fomos enfeitados de convencidos colaboradores de inimigos. despeito sem escapatória. esqueçamos o desprezo. quando escapo morrendo de medo de mim mesmo. não respeito mais ninguém. como se enganam delicadamente. interrompem a natureza e alimentam o ódio latente nas folhas de metal que encapam a alma. o pior de mim à mostra. sem espelho. mudo de trajes. continuo habitando minha miséria. a substância do mundo. o país cheio de cicatrizes das velhas mãos enrrugadas. o peso da inveja e do desejo. sempre o desejo. o mundo nas costas. deixo tudo isso pra trás.

num piscar de olhos. o estilhaçar. o espanto. o arroubo. tinhamos sido meros ensaios. comoções. cabeças decepadas. aquelas pessoas talhadas no tempo. pré biblicas. guerras. funerais. da poltrona assistindo filmes. apaga o cigarro. com tantas viagens macabras olhando para as luzes. naquele instante uma pedra esmagava a cabeça de uma criança. a estrutura econômica. o apocalipse. conspiração. a criança poderia ser seu filho. era sem saber. céus conturbados. engrenagens gemeram nos muitos deveres. as mãos tateando o progresso lento. o fósforo apagou. esperem por mim. não consigo ver nada. porque diabos é assim? será que estamos num esgoto descomunal? todas as fotografias apresentam defeitos. tudo é um risco que se corre. o que há de esquisito nessas lembranças? o futuro dorme. o silêncio a procura da origem da prece estranha. virando-se para contemplar as próprias origens. sem ver ninguém. ela riu de si mesma.você mesmo deve estar pensando tais coisas. tem toda razão para enlouquecer. espero que sim, mas que diabo deu em você?

depois de um longo silêncio ela tornou a abrir os olhos repulsivos. eu poderia me recordar de ouvir sempre dizerem essas palavras milhões de vezes para enterrar seus corpos. montanhas completamente sepultadas sucessivamente. algo estranho é um pardal morto cantar tão lindamente. chuva de ossos. testemunhas. palavras ocas. esqueleto sorridente. exploradores. recém nascidos. chegou esta manhã sobretudo um porém. se prepara a árvore para mudar. a fruta futura apodrecendo antes de estar madura. os grãos duros dos povos queimados. cegos. mancos. paralíticos. ninguém advinha a vida. antes de se arrependerem desfalecem as faces. cansadas. passageiros industriosos de antigas naves dos tempos de fogo. suavizando sua poesia repousa a vida inquieta no ventre do abismo. na casa do transitório. estende-se o passo. chegará a mortificar a paz nos calabouços sagrados. de sapatos celebrar os tapetes definitivos da verdade que soluça o último vestígio de encanto e outras coisas de tantas bobagens.

seguindo por outro caminho ele olhou para a mãe. os macacos estavam obviamente indiferentes a tais laços. procurando escapar estavam exibindo-se dentro de uma jaula. olhos amarelos. caminha mecanicamente para frente. não gosto nada do que está acontecendo. melhor seria calar tudo isso. você e suas crendices. uma importância terrível. nervosamente a porta se abre. esperar até quando? pegou a máquina quebrada e levantou-se. dizem que foi uma dose excessiva até mesmo para ele. a mãe substituta começou a uivar como se fosse a própria mãe. sentindo calafrios na espinha. talvez você mesma possa me ajudar. não tenho certeza. há algo de errado? a súbita explosão dentro dele provocou um angustiante silêncio. não me sinto disposto para viajar hoje. mas a viagem não está cancelada, apenas adiada. desespero ao invés de desejo. calma, tolerância. a promessa de perfeição para cuidar da realidade está sendo quebrada. afinal de contas tome cuidado com o que diz.

é um sistema. você engoliu. sem divisões rígidas entre as frases. manteve sagrado o dia e a pureza. não adorou ídolos. noites de ideias em linhas tortas. apagar o doce das pessoas, sua tarefa será recompensada. atordoa os receptores. além disso o que for amargo será eterno. a palavra apareceu através de impulsos nervosos. e agora não tem mais volta. foram escritas com sangue e fezes. suas manchas permanecerão em nosso dna. perdem segundos preciosos nestas páginas. insurgentes ligações fatais. quanto voce pagaria por isso? corações e mentes dilacerados. estamos para lá do meio. a desconfiança reinou. aguardem a primavera. vamos voltar a falar de flores. sendo que cada meio quilo de tulipa amarela custa caro. as variedades mais raras das ações que deram mais retorno. aconteceu na história da jardinagem e da literatura. quem tinha vendido esses papéis? essas flores caíram e a coisa começou a ficar fictícia. funcionou? era novidade ali? então eles ficam excitados com as condições ideais. caçadores de tendências adversas. é um caminho sem volta tudo o que fazemos. é sobre isso que escrevemos. misturando o que se aprende com o que se esquece. uma experência malfadada. leia o livro. beba. coma. fôda com a vida. engraxe a maior máquina copiadora de todos os tempos. afinal era isso ou a obscuridade. é odiavél admitir. será real? por enquanto acredita quem puder. é uma tarefa nobre morrer. é feita de luz. mas falta uma prova. quando a viagem termina. a vida se mistura ao ar. roda o mundo inteiro e pula fora. o que eles querem comigo? o que esperam de mim? que seja como vocês? que eu seja como eles? que eu entre no jogo? que eu escolha um lado? que eu tome partido?

enquanto você lê ele é muito criticado por isso. por não ter um motivo, por não ter nada que o valha. não estamos sugerindo explorar os incautos ou falar em nome deles. o difícil seria alcançar o efeito máximo. sem se prender a rótulos ou nomes. em busca do fortalecimento das conexões faça sua prórpia coisa. afinal você corre pra que? é um rato de laboratório? uma cobaia nervosa? nada disso importa. é coisa da nossa cabeça. quando perdê-la finalmente irá entender. quando o assunto está em suas mãos deve-se ultrapassar a linha que separa a coisa da outra mesma coisa inversa. livrem-se da educação.

quase sensacionalismo pedante. obviamente banal. era só isso... e agora?



Justificar

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

anti-herói à moda antiga

era uma vez um cara. um ser humano mediocre como a maioria. um cara que antes de pasmar de ser gente encasquetou que seria escritor. e portanto, foi. foi sendo. foi um, foi dois, foi vários. tudo o que um cara pensa ser, ele é, tudo o que se passa na sua cuca, existe e acontece de verdade. o pensamento alcança até onde alcança o pensamento. seu limite é ser ilimitado. não se pode pensar no que não existe. pois automaticamente essa coisa existiria. o pensamento existe. pensamento é puro ato. é puro ato reflexivo - existo, logo penso. reconhecer a própria existência é o primeiro passo para percebermos que pensamos porque existimos antes., porra! a linguagem enfeitiça o pensamento. reconhecer-se pelos próprios sentidos é o modo como nosso organismo opera. quem duvidar disto; quem não souber se está acordado ou sonhando, que enfie uma vela acesa no cú e vai logo saber da onde vem o pensamento.


nada de inspiração divina, mágica, psicografia ou genialidade. porém após uma breve reflexão a respeito de todas as atividades desenvolvidas pelo homem no decorrer da história da humanidade, não sem analisar friamente as suas implicações na vida dos indivíduos que as exercem , ele que não era bobo nem nada, sem pensar duas vezes optou por enfileirar palavras , pois enxergou nas possiblidades que a atividade literária lhe oferecia, tanto em termos de liberdade moral, quanto em termos de necessidade do espírito, uma oportunidade única de revolucionar-se a si mesmo e quem sabe emprestar um pouco disso para mais alguém.


ainda que não se tratasse de um talento nato e não fosse dotado de muito estudo, o rapaz sabia que com um pouco de treino aquilo seria barbada. ele não era de fazer careta pra cego. já havia trabalhado em oficina, lava-rápido, apanhado laranja, pintado parede, carregado caixa. entregado cartas, etc. qualquer merda dessas. a literatura é uma necesidade como qualquer outra. precisamos tanto de um poema quanto de uma casa. precisamos tanto de um poeta quanto precisamos de um catador de lixo. ambos são necessários. literatura não é luxo como gostam de pensar alguns que se julgam escolhidos. todo mundo é poeta, mas só que a maioria não sabe que é. qualquer um é capaz de qualquer coisa. desde que saiba disto. era só romper o hímem. era só observar pra onde soprava o vento. ver a posição correta das estrelas, sentir a aguá fluir por tudo. respirar um pouco e seguir as pistas deixadas por outros e o rastro do coelho branco. era sentir aquilo e aplicar o golpe certeiro. e numa única paulada parar a beleza e guardá-la no tempo infinito.

e quando a eletricidade na ponta do nariz lhe der um choque, saberá contar histórias antigas de tempos remotos e imemorias. inventará tantos deuses cheios de tantos poderes e piedade. fará comparações requintadas entre o homem moderno e o chipanzé. com o tempo a repetição faz a diferença. e de tanto cutucar a ferida ele aprende. macaco vê, macaco faz.

aprende o que os outros bichos já sabem sem saber que sabem.

em suas obras poderemos notar um entusiasmo exagerado. que em meio a reflexões absurdas ,ele justificará dizendo que em alguns casos o exagero é fundamental. inevitavelmente repetirá muitas vezes as mesmas palavras. palavras ditas e repetidas exaustivamente, que de tão usadas se desgastam e perdem completamente o sentido e o significado, disfigurando a figura que deviam representar. as palavras utilizadas assim não dizem quase nada. ou dizem tanta coisa, que no fim termina dando no mesmo. acabam por perder a sua razão de ser. o poder! o poder mudará de mãos. ele não deixará de existir. o poder poder poder poder. o poder da palavra? o poder da palavra poder? séculos e séculos de mãos. grandes mãos que mais parecem tentáculos.

este é certamente um século de mãos.

mais tarde um pouco mais calejado. ele envereda do pessímismo instigado para o otimismo mistico. nesse periodo conturbado terá muitas alucinações. seu estilo sofrerá sérias afetações escreverá sobre os rumos da humanidade. o arranjo do universo. o progresso. o amor. a virtude. o heroísmo. enfim, o tipo de coisa que os loucos conversam nos hospícios.

viajará para a grécia a fim de visitar as ruínas de antigos templos. para incorporar as sombras da velha cultura de seus antepassados. e aprender no velho mundo outras línguas e edificar também aqui suas torres de babel, sob as sombras das gerações de semideuses e mestres escribas alados.

e então provará de todos os licores e de todos os manjares. virando noites de eternas putarias . milênios de orgia e fé. então adornará sua poesia com os cacos de um vaso vermelho da china. e assim como nóe se entupirá de vinho e sairá andando pelado pelo país asteando sua bandeira.

acabará preso pela policia do pensamento e passará os melhores anos de sua vida encarcerado numa masmorra da idade média. poderiamos mesmo pensar que isso seria positivo para sua arte pois aquela sua cruz tão pesada lhe renderia histórias mirabolantes dignas de serem incorporadas ao rol das tragédias clássicas e seus utilissímos ensinamentos. todavia, contrariando tais espectativas, naquele tempo sua produção foi praticamente nula.

ao livrar-se do alcoolismo e da perturbação mental, desempregado, aceita todo tipo de oferta. chega mesmo a escrever horoscopo para os jornais. se prostitui escrevendo artigos sobre filosofia, sociologia, política, esportes e culinária.

depois de pensar muitas vezes em abandonar tudo e fugir para o deserto, eis que um raio fulminate vindo de toda parte acerta bem na sua testa

e sua última fase é realista. nessa fase ele assume que é heteroxexual e que tudo não passou de um tremendo engano. o mundo não era redondo, não exatamente. o homem nunca foi a lua, no máximo pisou no acre. confessou que o barulho de ossos quebrando era o mesmo que se ouve quando se mastiga um drops. e que ninguém poderia duvidar que um charuto não é um cachimbo.

ele raspa seus últimos vestígios e dispara seus cartuchos de uma vez. manda imprimir uma porrada de panfletos a serem distribuídos para as pessoas nas ruas. serviriam para elas saberem que ele estava vivo e elas também. que tudo estava vivo. e que tudo está morrendo. e que os bons tempos nunca chegaram. e que a violência é sempre justa se for ao contrário. mas no panfleto só havia os dizeres: ACREDITEM, SOU INOCENTE! a culpa é de papai.

uma vida por uma obra. uma vida inteira por uma única frase- pensou.

e eis que tudo não passa de um peido!

enquanto a cicuta faz efeito pensa se não esqueceu de nada... enfim, se de fato esqueceu não poderemos saber, pois esse nunca mais foi visto por ai. e era uma vez um escritor...




suas obras foram queimadas pelos parentes e amigos mais próximos, para que não manchassem seu brilhantismo, o seu ímpeto e sua glória . e que fosse lembrado pela história apenas como um homem célebre, que pensava ser...