segunda-feira, 30 de novembro de 2009

um fabuloso retrato da nossa miséria

eu morava nos fundos de uma casa alugada. dois cômodos incômodos situados num buraco cravado no topo de nada- área de ocupação ilegal no famigerado bairro dos pimentas.

tinha vinte e nove anos e ainda nutria a sedutora ilusão de que seria possível algum dia ser um escritor profissional. de fato a primeira vista é um modo de vida muito atraente - levar a vida só enfileirando palavras.

todavia, não se pode viver apenas escrevendo. isso é pura cascata. ninguem pode viver fazendo isso o tempo todo. na maior parte do tempo a vida exige artifícios mais práticos e menos pomposos. não que não houvesse algo de mecânico na elaboração de um discurso qualquer, seja ele grandioso e metido a besta ou mesmo essa canastrice demasiadamente mediocre. a questão é que não se pode fazer isso o tempo todo. e essa vasta lacuna que a vida me impunha eu entupia com substâncias psicoativas de toda sorte. desde cariri com mel até antinflamatórios nervosos. nesse sentido, tentei de tudo, de budismo à macumba. meu foro íntimo me indicava que se eu sobrevivesse teria outra estória pra contar. se venderia ou não eram outros quinhentos.

essa incerteza agravava a impossíblidade de dar certo, porém a idéia de fracasso me seduzia por demais. não vender seria uma espécie de trofeu ao meu ponto de vista.

mas como é que se paga as contas de água e luz com narrativas deste tipo?

simplesmente te cortam o suprimento. e vai ter que escrever no escuro sem tomar banho. do ponto de vista literário, depois de minha morte, isso agregaria valor à mercadoria intelectual.
e ai sim, venderia. essa coisa vende. a desgraça dos outro sempre vende.

tem sempre alguem que compra. somos educados para isso. há sempre alguém que não tem nada a dizer dizendo isso para alguém que não tem nada mais interessante para ouvir.
portanto, eu jogava com o azar.

e depois de morto talvez eu ficasse rico. eles diriam: até que enfim ele nos recompensou com sua ausência.

sendo assim sem muita esperança ou espanto me tornava uma espécie de suicída mental que sublima a morte dos próprios pensamentos expondo-os ao ridículo da palavra escrita.

em outros termos, pensava ser possível provar escrevendo que vencer na vida significa enfiá-la completamente no cú.

então, que não fosse só no meu. me agradava mais, que além disso a enfiasse no cú de todo mundo. e se eles me pagassem por isso eu teria problemas o bastante para reescrever as mil e uma noites numa única manhã de ressaca.

de fato seria um curioso meio de vida.

e tema não me faltaria. eu poderia falar sobre qualquer merda. havia desenvolvido uma técnica de absorção quase infalível. se ficasse duas horas sob a sombra de um coqueiro, provavelmente de minha goela brotariam abundantes cachos de côcos.

numa dessas minhas empreitadas de pasticheiro osmótico eu era o dom quixote do pós-pós modernismo assimilando toda merda disponível para revertê-la aos seu respectivos cús. seguindo uma certa lógica que reza que a nossa bosta é sempre mais cheirosa do que a dos outros.

foi assim que era uma vez seis crianças chinesas morreram contaminadas por leite em pó. sem contar as trezentas mil que ficaram internadas graças ao leite batizado em prol do lucro fácil.
a melanina é uma substânica que eleva o nível de proteína no sangue a ponto de fuder completamente com os rins da pessoa, enfeitando-os com pedras gigantescas que certamente provocarão a falência total dos orgãos desses infelizes.

vinte e seis são os suspeitos de envolvimento no caso. seus nomes impronunciáveis me absolvem de citá-los por aqui - isso é trabalho para a eficiente justiça da china meio capitalista, que o mundo inteiro quer imitar dando um tiro na nuca de seus condenados e cobrando a bala da família.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A saga do menino bonzinho


(…) dessa vez, encontrou uma pequena garrafa(…) Presa ao gargalo, havia uma etiqueta de papel com as seguintes palavras: “BEBA-ME”, lindamente impressas em letras grandes.”
L.C.
Que sensação estranha!

O mundo estava uma merda. um gigantesco troço giratório boiando numa latrina sem fim… as pessoas e seus falatórios fodendo com os miolos. seu modo de vida cretino. sua aparência medonha. seu mau cheiro característico. toda a farsa que representam. a porra da sociedade. a merda viva do mundo. o perfeito reflexo da bosta que somos.
Quando tudo conspira contra é a hora...

não sou tão inocente a ponto de crer que alguém possa revolucionar o mundo só escrevendo. metendo o rabo em uma poltrona macia fazendo cara de xícara e ficar enfiando o dedo na máquina até imprimir ali naquele imenso vácuo, um código perfeito que decifre os mistérios da vida e sirva de manual de instruções para as próximas gerações concertarem a porra toda.
não, isso não. definitivamente.

porém não havia nada que soubesse fazer melhor que isso. e de fato não tinha ambições altruístas. na verdade, se pudesse foderia ainda mais. se tivesse culhão ia logo pras cabeças. sem piedade metia um cano na cara de quem inventou essa porra de capitalismo e de quem mais comprasse a bronca.

mas ali, estava eu, decadente, sem estilo. nem beber eu podia. com o rabo cheio de bactérias só comendo remédio até o cu fazer bico. se quisesse preservar pelo menos a integridade do meu pau. sim . para piorar tudo como se não bastasse. 28 dias sem beber e sem trepar. foi isso que disse aquele filho da puta. todo vestido de branco, com cara de golfinho, focinho entre os óculos, mais parecia um açougueiro. tinha um canudo na parede. atestado de pilantra. licença do SUS para matar. nunca confiei nessa raça. médicos. monstros, loucos. nunca confiei em ninguém.

ao menos essa miséria me proporcionou a oportunidade de me conhecer. de ficar sozinho.
- eu? oquê? quem? quando? murmuram entre si.

- um aglomerado de células orgânicas condicionadas para compor um organismo complexo demais para ser compreedindo por vossas cabecinhas de vento, muito prazer!

- o prazer é todo seu.

às picas tudo isso. porque haveria de existir um eu? oras, por que haveria eu de me importar com isso se eu realmente fosse eu.

- isso não faz nenhum sentido!

- e por que haveria de fazer? por que raios tudo pra vocês tem que fazer sentido. quem disse que é assim? querem legendas espalhadas por toda a parte. querem guardar a natureza em potes com nomes e cifras. pra quê? temos todo o direito de ser contraditórios. cobrar coerência de alguém é o mesmo que mastigar seus testículos ou então enfiar um galho de roseira no cú do sujeito. e não costuma ser elegante fazer isso. realmente não queremos isso pra nós. não seria nada cortez da nossa parte.
as relações humanas não passam de engodos psicológicos; delírios cotidianos sentimentaloides, ransosos, opacos. um quadro vivo de gestos falsos como o vinho que manchou a blusa alterando nitidamente o conjunto dos fatos.
é um tal de morde e depois assopra que dá nojo. tudo que herdamos dos nossos tataravós; o medo e as dúvidas. as mesmas paranóias. o jeito desajeitado de andar. a mesma voz irritante. e a mesmíssima cara de cú. isso de algum modo nos incomoda sem que tomemos consciência plena da coisa.
todavia ter consciência disso não reverte o quadro. é preciso se atualizar, se reinventar a cada instante – meter um novo personagem.
entretanto, expandir cada vez mais a consciência na tentativa frustrante de acompanhar esse processo mental-perceptivo é um exercício enfadonho que fode com o estômago, gerando náuseas terrivelmente suportáveis, a contragosto, beirando o absurdo.

se não se pode fazer o que se quer, não resta muito a fazer. a condição é: ou se faz as vontades e os caprichos dos outros, ou a de ninguém. tudo ou nada. nem pra deus nem pro diabo.

não que eu pensasse que beber e fuder fosse a chave dos portais do paraíso e que isso me faria feliz para sempre. não sou tão besta quanto pensam. sei que é tudo furada. um puta jogo sujo de dar nojo. vaidade de vaidade.

mas pelo menos isso não precisa fazer nenhum sentido. doses e doses cavalares de dompamina descendo pela goela acertando na veia. que te fazem viver dez anos a mil! e mesmo sem saber explicar ou teorizar, qualquer idiota percebe o calor da sensação e se seus reflexos estiverem atentos saberão distinguir um prazer que não tem preço.
mas tem. e é caro pra caralho. os olhos da cara. pela hora da morte! dariamos tudo o que temos para sentir isso intensamente, se não fossemos tão medrosos e mesquinhos. adestrados para ser feliz. desejar ser livre e sentir-se seguro. coisas que parecem incompatíveis, mas conciliáveis, ou vice e versa. não vem ao caso.

oras, quem quiser ser feliz que vá viver na disneilândia.!quem quiser segurança que compre um revolver !
a vida não é nem nunca vai ser melzinho na chupeta! não! a vida endoida. vira a gente do avesso.de cabeça pra baixo. pra abrir os olhos e pular da cama todo dia e representar a farsa é sempre um parto. um aborto mal feito. quem não se apruma, um dia não vai nem levantar e vai meter um balaço na cara antes de escovar os dentes.

mesmo contrariado engoli o remédio(sou tão desconfiado que achei melhor seguir a receita do pela saco0.

ainda não é hora. entramos no meio da vida. temos lenha pra queimar. resolvemos cravar os dentes na parte que nos cabe.
do que resta.
não queremos ser niguém. nenhum desses borra-botas que escrevem livros e ficam famosos. somos por excelência amadores.

agora. amantes incondicionais.

tocaremos fogo na casa para saberem, que se for preciso faremos morada na sarjeita, de camarote, do meio fio a banhar os pés sujos na enxurrada. sem ressentimentos, sem culpa,...

tudo um dia cai no mesmo no esquecimento.

perderei sim, ainda algum tempo, falando de mim. nada do que vocês já não saibam, mas teimam em esconder e relutam em aceitar.

perderei ainda algum tempo bebendo remédio. se possível adiarei para sempre o gran- finale.
perderei 28 dias e mais outros tantos que ainda virão. para um dia, quem sabe, viver um único instante que valha a pena chamar de vida.
por hoje e sempre!

TIN- TIN!

C.
" mas de nada serve agora", pensou a pobre Alice, "fingir que sou duas pessoas! Porque tudo o que sobrou de mim mesma é pouco até para ser uma só pessoa respeitável".

L.C.