terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O Rei Mortadela

depois de mais um dia de adianto ferrado, pintando paredes, subindo e descendo escada, ele saiu exausto e foi descendo até as ruas debaixo. vasculhando nos bolsos da calça surrada e suja. era verão e ele suava feito um bode. andava não sei por que com a Billie Holiday na cabeça. e a grana só dava para um conhaque e um maço de cigarros vagabundos. começava a escurecer e estava um calor de matar. ele estava com uma sede dos diabos. entrou numa birosca perto da antiga linha do trem. atmosfera densa, azul de fumaça. as pessoas que ali se encontravam pareciam terem sido besuntadas com banha de porco.
sem fazer cerimônia ele adentra ao recinto. pede um conhaque presidente e um maço de vila rica. engole prontamente o conhaque, risca um fósforo concentrado e acende um cigarro. dá uma olhada ao redor e todos ali indiferentes. ele sai fumando pra espantar as moscas, amenizar o gosto de gasolina na boca e iludir a solidão. olha a rua de relance e chacoalha a cabeça para por as idéias no lugar. a lua está cheia, mas quem se importa com a lua por aqui? ele não. foda-se a lua fodam-se os lunáticos. é só uma coisa lá no céu, sem mais nem porque.
então ele enrola um cigarro de artista, dois ou três tapinhas e volta pra casa da mamãe pra encher o bucho com os restos frios da janta.
era estranho estar em casa - ele pensava: sempre fui um estranho na minha própria casa. ele sentia que precisava dar o fora logo dali senão quisesse enlouquecer antes da hora. se for pra enlouquecer, que seja na hora certa - pensou.
e ruminando planos para a fuga foi acometido por um desaranjo intestinal. algo que se contorcia dentro dele. e resolveu que seria melhor adiar a fuga... o que precisava agora era dar uma boa cagada. no momento seu cú falava mais alto do que a sua insatisfação e enviava intensos impulsos nervosos ao cérebro avisando-o do seu compromisso regular.
caminhou até o banheiro pensando como era ridícula e constrangedora a sua condição de ter um cú e de ter que adiar a arquitetura de seus planos de vida para soltar bosta por ele.
e render-se ao velho ritual. o rei mortadela arreia as calças e senta-se em seu trono. contrai toda a musculatura do abdomem e força. a expressão do rosto copia. sente a coisa caminhando pelo intestino e isso lhe dá uma sensação relaxante. todos os resíduos cotidianos de uma vida de merda viajando pelas tripas até desembocar na extremidade externa do reto - o famigerado e simpático ânus.
eis que em sua atividade corriqueira ele havia sacado o perfeito retrato da triste realidade humana - somos verdadeiros tubos processadores de merda - ele tinha um modo peculiar de apreciar aquilo, antes de dar a descarga se levantava, limpava a bunda a grosso modo e ficava olhando em silêncio por alguns segundos antes de dar a descarga. depois puxava a cordinha com desdém e nojo de si mesmo e de todo mundo.

não podia negar que a sensação era a de um certo alívio. porém, era um tanto frustrante sentir prazer com aquilo. fumou mais um cigarro e se recolheu para seu quarto, onde a solidão lhe inspirava alguma dignidade. ali não tinha escapatória. não havia mais nada a fazer. meteu a Billie Holiday no estéreo e deu uma de Bukowski - socou uma punheta e ferrou no sono.

Um comentário:

  1. o cheiro do ralo é o cheiro da alma! ou quase isso...
    don´t know why there no sun up in the sky, stormy weather...keeps rainin' all the time...

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