quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Vinho & Chocolate


Os dois se encontrariam na rodoviária. Depois de horas a fio de um papo bom e imaginação fértil. Ele iria em busca do tempo perdido. Ela, pra perto do coração selvagem. Ambos iludidos, procurando sabe-se lá o quê e pensando em sacagem. Trocando cartas, iventando baralhos. Bebendo e arrotando poesias de toda sorte.
O ônibus poderia atrasar. Pensou que se fosse de trem seria mais romântico. E se o filha da puta não vier? E se aquela vaca não aparecer? Ouvia jazz. Charlie parker, talvez. Não sabia distiguir. Achava legal gostar de jazz.

Ela iria. Certamente. Mulher é curiosa. Ele contava a grana, queria ter certeza de que não iria fazer feio. E se ela quisesse ir num desses lugares de bacanas. Que vá pras picas, oras!pensou. Ela quer levá-lo num boteco fudido, tomar pinga e falar de arte para impressioná-lo.

Ele vai. Já está na estrada. Deu o cano no trampo. Fez um empréstimo pessoal. E está querendo mais é que se foda. O ônibus vai parando e não chega nunca. Ela queria chegar depois. Não queria parecer atirada. Será que eu dou no primeiro encontro? E se ele for feio de perto? E se ele for feio mas trepar bem? Parece bem espertinho. Inteligente eu não diria. Ela deve ser neurótica. Mulheres escritoras que pensam demais acabam neuróticas. Ele fala cada coisa... e eu estou querendo mais do que palavras. Quer saber? Não vou ficar aqui esperando. Ele deve é ser um tremendo de um sacana. Tem pinta de sacana. Deve ser é um cuzão de um viado que não tem nem pau.

Ela desiste depois de esperar pelo atraso do acaso. O maldito ônibus que não chegava, meia hora depois estaciona na plataforma 23. Ele estava babando na poltrona 32. Salta com os olhos pregados e ofuscados pelas luzes do terminal. Procura no bolso da jaqueta surrada por um canceroso, acende e sai olhando para todos os cantos e nem sinal da fulana.

Ela vai voltando pra casa. Assustada. Arrependida por ter ido. Com remorso por ter esperado tanto e ter feito papel de idiota. Arrependida por não ter esperado mais. Quem sabe não se atrasou? Será que não seria demais voltar até lá?
Ele, já contrariado e puto da vida por ter ido tão longe por uma bucetinha pensante, se mete numa birosca e começa a encher a cara de conhaque barato. Se envolve com uns sujeiras e sai na porrada com um malandro qualquer. E bem na hora do sapeca iá iá cai bonito na mão dos samangos, que estão no apetite de curar vagabundo na sova. Resumindo, leva uma surra dos canas e dorme na gaiola pra aprender a ficar pianinho no terreiro dos outros.

Ela anda duas quadras rumo à rodviária - preciso arriscar porra. Desse jeito não desencalho nunca, pensa.

Ele está fudido. Não conhece ninguem naquela porra de cidade grande. Esta fudido. Sujo. Todo estrepado. Levou um cacete dos sucuris. Um belo chute nos grãos da moça. Teria que ligar pra mamãe o nosso Dom juan do mato.

Ela desvia do seu caminho ordinário. Está tocando um blues do cazuza no rádio. Ela vai acelerando até o supermercado e quase bate no estacionamento. Chora.

Ele, se fudendo sozinho na porra daquela cela até o sol nascer quadrado, espera pelo indulto e a grana da coroa pra ganhar a rua no outro dia e dar o fora dali.

Ela vai se arrastando até a prateleira de doces e enche a sacola de chocolates finos. Apanha uma garrafa de um bom vinho do porto. Passa pelo constragimento das relações humanas na fila do caixa e sai de cabeça erguida, tentando esboçar no semblante alguma dignidade. Pensa consigo mesma; tenho bom gosto.

Ele consegue a ligação. Leva uma dura da velha, que manda a grana que irá liberá-lo após os procedimentos de praxe. Sai cabisbaixo da delegacia. Puto da vida. E pensa consigo; estou fudido.

Ela vai para seu apartamento.

Ele para a casa da mamãe.

Ela se entope de vinho e chocolate.

Ele se entoca no banheiro e bate uma punheta pensando na diaba.
c.

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