quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

anti-herói à moda antiga

era uma vez um cara. um ser humano mediocre como a maioria. um cara que antes de pasmar de ser gente encasquetou que seria escritor. e portanto, foi. foi sendo. foi um, foi dois, foi vários. tudo o que um cara pensa ser, ele é, tudo o que se passa na sua cuca, existe e acontece de verdade. o pensamento alcança até onde alcança o pensamento. seu limite é ser ilimitado. não se pode pensar no que não existe. pois automaticamente essa coisa existiria. o pensamento existe. pensamento é puro ato. é puro ato reflexivo - existo, logo penso. reconhecer a própria existência é o primeiro passo para percebermos que pensamos porque existimos antes., porra! a linguagem enfeitiça o pensamento. reconhecer-se pelos próprios sentidos é o modo como nosso organismo opera. quem duvidar disto; quem não souber se está acordado ou sonhando, que enfie uma vela acesa no cú e vai logo saber da onde vem o pensamento.


nada de inspiração divina, mágica, psicografia ou genialidade. porém após uma breve reflexão a respeito de todas as atividades desenvolvidas pelo homem no decorrer da história da humanidade, não sem analisar friamente as suas implicações na vida dos indivíduos que as exercem , ele que não era bobo nem nada, sem pensar duas vezes optou por enfileirar palavras , pois enxergou nas possiblidades que a atividade literária lhe oferecia, tanto em termos de liberdade moral, quanto em termos de necessidade do espírito, uma oportunidade única de revolucionar-se a si mesmo e quem sabe emprestar um pouco disso para mais alguém.


ainda que não se tratasse de um talento nato e não fosse dotado de muito estudo, o rapaz sabia que com um pouco de treino aquilo seria barbada. ele não era de fazer careta pra cego. já havia trabalhado em oficina, lava-rápido, apanhado laranja, pintado parede, carregado caixa. entregado cartas, etc. qualquer merda dessas. a literatura é uma necesidade como qualquer outra. precisamos tanto de um poema quanto de uma casa. precisamos tanto de um poeta quanto precisamos de um catador de lixo. ambos são necessários. literatura não é luxo como gostam de pensar alguns que se julgam escolhidos. todo mundo é poeta, mas só que a maioria não sabe que é. qualquer um é capaz de qualquer coisa. desde que saiba disto. era só romper o hímem. era só observar pra onde soprava o vento. ver a posição correta das estrelas, sentir a aguá fluir por tudo. respirar um pouco e seguir as pistas deixadas por outros e o rastro do coelho branco. era sentir aquilo e aplicar o golpe certeiro. e numa única paulada parar a beleza e guardá-la no tempo infinito.

e quando a eletricidade na ponta do nariz lhe der um choque, saberá contar histórias antigas de tempos remotos e imemorias. inventará tantos deuses cheios de tantos poderes e piedade. fará comparações requintadas entre o homem moderno e o chipanzé. com o tempo a repetição faz a diferença. e de tanto cutucar a ferida ele aprende. macaco vê, macaco faz.

aprende o que os outros bichos já sabem sem saber que sabem.

em suas obras poderemos notar um entusiasmo exagerado. que em meio a reflexões absurdas ,ele justificará dizendo que em alguns casos o exagero é fundamental. inevitavelmente repetirá muitas vezes as mesmas palavras. palavras ditas e repetidas exaustivamente, que de tão usadas se desgastam e perdem completamente o sentido e o significado, disfigurando a figura que deviam representar. as palavras utilizadas assim não dizem quase nada. ou dizem tanta coisa, que no fim termina dando no mesmo. acabam por perder a sua razão de ser. o poder! o poder mudará de mãos. ele não deixará de existir. o poder poder poder poder. o poder da palavra? o poder da palavra poder? séculos e séculos de mãos. grandes mãos que mais parecem tentáculos.

este é certamente um século de mãos.

mais tarde um pouco mais calejado. ele envereda do pessímismo instigado para o otimismo mistico. nesse periodo conturbado terá muitas alucinações. seu estilo sofrerá sérias afetações escreverá sobre os rumos da humanidade. o arranjo do universo. o progresso. o amor. a virtude. o heroísmo. enfim, o tipo de coisa que os loucos conversam nos hospícios.

viajará para a grécia a fim de visitar as ruínas de antigos templos. para incorporar as sombras da velha cultura de seus antepassados. e aprender no velho mundo outras línguas e edificar também aqui suas torres de babel, sob as sombras das gerações de semideuses e mestres escribas alados.

e então provará de todos os licores e de todos os manjares. virando noites de eternas putarias . milênios de orgia e fé. então adornará sua poesia com os cacos de um vaso vermelho da china. e assim como nóe se entupirá de vinho e sairá andando pelado pelo país asteando sua bandeira.

acabará preso pela policia do pensamento e passará os melhores anos de sua vida encarcerado numa masmorra da idade média. poderiamos mesmo pensar que isso seria positivo para sua arte pois aquela sua cruz tão pesada lhe renderia histórias mirabolantes dignas de serem incorporadas ao rol das tragédias clássicas e seus utilissímos ensinamentos. todavia, contrariando tais espectativas, naquele tempo sua produção foi praticamente nula.

ao livrar-se do alcoolismo e da perturbação mental, desempregado, aceita todo tipo de oferta. chega mesmo a escrever horoscopo para os jornais. se prostitui escrevendo artigos sobre filosofia, sociologia, política, esportes e culinária.

depois de pensar muitas vezes em abandonar tudo e fugir para o deserto, eis que um raio fulminate vindo de toda parte acerta bem na sua testa

e sua última fase é realista. nessa fase ele assume que é heteroxexual e que tudo não passou de um tremendo engano. o mundo não era redondo, não exatamente. o homem nunca foi a lua, no máximo pisou no acre. confessou que o barulho de ossos quebrando era o mesmo que se ouve quando se mastiga um drops. e que ninguém poderia duvidar que um charuto não é um cachimbo.

ele raspa seus últimos vestígios e dispara seus cartuchos de uma vez. manda imprimir uma porrada de panfletos a serem distribuídos para as pessoas nas ruas. serviriam para elas saberem que ele estava vivo e elas também. que tudo estava vivo. e que tudo está morrendo. e que os bons tempos nunca chegaram. e que a violência é sempre justa se for ao contrário. mas no panfleto só havia os dizeres: ACREDITEM, SOU INOCENTE! a culpa é de papai.

uma vida por uma obra. uma vida inteira por uma única frase- pensou.

e eis que tudo não passa de um peido!

enquanto a cicuta faz efeito pensa se não esqueceu de nada... enfim, se de fato esqueceu não poderemos saber, pois esse nunca mais foi visto por ai. e era uma vez um escritor...




suas obras foram queimadas pelos parentes e amigos mais próximos, para que não manchassem seu brilhantismo, o seu ímpeto e sua glória . e que fosse lembrado pela história apenas como um homem célebre, que pensava ser...










3 comentários:

  1. essa mania de jogar tiner nas obras de arte só pra vê-las virando borrões ainda vai te levar além.

    belo final!

    Jú Mancin

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  2. .

    E você é ireemediavelmente ácido, digo do padrão de sempre, romântico e com um tanto de inveja, mas um muito de pensar sobre o pensar e o ser, a ferida que você cutucou agora que com flores de plático eu tinha escondido.

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