segunda-feira, 12 de outubro de 2009

ADEUS MINHAS CEBOLAS



Naquela segunda-feira não estava de ressaca, o que naquele tempo devia ser algo incomum. Havia passado o dia na cama sem fazer porra nenhuma. Depois daquela semana de bebedeira eu estava exausto, fodido e sem disposição para nada. A não ser ficar coçando o saco e pensando na merda da minha vida. Domingo havia sido uma típica segunda-feira , isso não fazia muita diferença, já que estava desempregado e sem nenhum trocado. Depois de algum tempo isso começava a me preocupar de verdade, pois, como dizia meu avô - um homem sem dinheiro, até o andar dele é feio. É, e eu já começava a andar esquisito. Fumando o cigarro mais vagabundo e tossindo feito um tuberculoso. Enchia o papo de cana e ficava falando pelos cotovelos qualquer merda para qualquer bosta. Eu estava pouco me fudendo. Às vezes a conversa fiada rendia frutos e me ajudava a sobreviver, sabe-se lá até quando, naquela selva de rinocerontes. Porém isso tinha seu lado perigoso. Se por um lado a ladainha surtia efeito e me trazia algumas vantagens, por outro me deixava vulnerável e fútil. Nem todo mundo sabe apreciar as sacações de um bêbado espirituoso e sarcástico, principalmente os homens quase célebres da cidade grande que se sentiam ofendidos com aquilo. Acho que eles pensavam: esse filho da puta sai lá do meio do mato enche a cara e vem aqui todo esquisito falar essas coisas pra comer as nossas mulheres. Bem, na verdade eu estava pouco me lixando pra esses pela-sacos. Eu só queria arranjar uma porra de um emprego que não me desse muito trabalho e que me pagasse uma quantia equivalente às minhas necessidades básicas, que naquela época se resumia a cigarros, bebidas, fotocópias e passagens de ônibus. As mulheres, bem, penso que não são como pensam esses caras. As mulheres de verdade não são de ninguém. Pelo menos não são de qualquer um. A não ser que desejem ser, por curiosidade ou por capricho. Mas no fundo no fundo elas sabem sempre conseguir o que querem. Se não sabem desejam saber. Elas são bem espertas e mesmo a mulher mais ingênua tem mais truques na manga do que o Mandrak. O que as difere em gênero e grau dos homens, uns bostas que são. Eu sempre gostei mais das mulheres do que dos homens, e não só pra foder, mas para tudo. Para beber, conversar e ficar olhando a lua. Mas foda-se a lua, pau no cú dos lunáticos. Estou falando que eu tenho um problema com os homens, talvez por que eu seja um. Sempre fui obsecado por mulheres, elas têm algo que me enfeitiça. E os homens sempre me entediam tentando disfarçar o tempo todo que são uns cagalhões. Não sei por que diabos estou dizendo essa porra agora, já que estava falando de outra coisa.
Sim, daquela segunda-feira santa. Não sou religioso nem nada, mas aquela foi uma santa segunda-feira. Há uma semana havia conhecido uma garota, bem, de certo modo já a conhecera antes, embora nem tanto. Há mais ou menos um ano tinha trocado algumas palavras com a moça. E não foram muito amigáveis diga-se de passagem. Na verdade foram quase hostis. Mas fora um bom começo. Às vezes a hostilidade e a rudeza são provas de afinidade. Mas o fato é que há uma semana ela se aproximou da minha pessoa e como dois estranhos que se prezam depois de uns bons goles sentados numa birosca, nos conhecemos melhor. O álcool faz milagres. É uma faca de dois gumes, ora afiada, ora cega, dependendo do estado de espírito pode realizar casamentos e separações em frações de segundos. Não preciso nem dizer que me senti atraído por sua desenvoltura e graça. Ela possuía uma sensualidade delicada, quase desproposital, era tesuda sem ser vulgar. Segurava o cigarro com seus dedos finos, dava tragadas profundas e soltava a fumaça pra cima fazendo biquinho. Se às vezes tossia não perdia a classe, emendava um risinho quase sacana ao gesto involuntário, arregalando os olhos brilhantes e mostrando a língua para logo em seguida ficar quase séria arrematando o olhar morteiro com uma piscadela.
Eu engolia mais uma cachaça e ficava deslumbrado quando ela aceitava um trago da pinga. Mulher que fuma e bebe pinga eu gamo. Conversamos por horas sobre sabe-se lá o que. É certo que demos boas risadas, o álcool estimulava meu senso de humor e me fazia perder o senso crítico. Quando percebi, estava tão próximo de sua boca que só podia deixar-me ser engolido. Era um mel, tão doce que me deixou quase sóbrio. Ela sorriu e me deu um abraço. E eu pensei; é disso que o Brasil precisa PORRA! Acho que pensei alto demais por influência da pinga e ela ouviu sem entender direito que merda eu havia dito. Ela acreditava pra valer na revolução, era uma militante assídua da causa. Eu era quase um alcoólatra e já não acreditava em muita coisa, mas não podia duvidar daquele abraço. Esquecemos do tempo, o bar fechou e nós ficamos do lado de fora. o quê poderia ser pior aquela altura? Ela foi prática e prestativa: já é tarde, tua casa é longe, quer dormir lá em casa? Eu simplesmente fui. Não tinha nenhuma escolha, pelo menos não uma que meu cérebro soubesse naquele instante.
Resumindo, chegamos até sua casa, subimos a escada, nos sentamos no chão e ela abriu uma garrafa de catuaba. Enxugamos o litro e começamos a pensar sacanagem. Eu estava tão bêbado e que depois de algumas tentativas frustradas desmaiei feito um gambá em seu berço. No outro dia eu nem sabia o que dizer, só pensava: puta-que-pariu estraguei uma possível ótima foda. Estava com a cabeça pesada e a boca seca. Ela acordou mais bela do que deitou e me disse bom dia com a voz meio rouca. Nunca ninguém tinha sido tão gentil comigo depois de uma noite de insana bebedeira. Aquilo de certa maneira me pegou de surpresa e me fez sentir ainda pior, como se isso fosse possível. Mas a vida sempre nos surpreende com alguma novidade. Esse movimento ininterrupto e virulento que nos carrega sem destino certo. Esse processo criador e transitório que nos faz durar,nunca poderá ser compreendido pela inteligência. O tempo que nos impulsiona e cria nos escapa. E nós o perseguimos intuitivamente admirados de nós mesmos e do universo a nossa volta, sempre novo. E somente à moda dos artistas podemos vislumbrar tal realidade. Vinte e cinco séculos de filosofia para saber que não sabemos de nada. A natureza cria a vida e a arte prolonga. Enquanto a filosofia nos induz a trepar mal e a fumar mais.
E não é que a moça insistiu em não me abandonar! Fiquei ali, meio estrangeiro. Instalei-me feito um posseiro e para amenizar meus exageros e as minhas faltas, tentei retribuir o máximo que podia suas encantadoras gentilezas, que não foram poucas. Vivemos uma semana estranhamente boa. Às vezes nos censurávamos por estarmos tão bem enquanto o mundo explodia. Fumávamos, bebíamos, comíamos, fodíamos lindamente, enquanto bilhões de pessoas no mundo se debatiam pelas ruas, sendo exploradas, passando fome, matando e morrendo por nada. Parecia cruel, mas não sabíamos negar que estávamos vivendo o momento e que isso era terrivelmente bom. Conversamos muito a respeito de tudo isso e resolvemos mais ou menos que foda-se, vamos aproveitar.
Depois de uma semana eu estava exausto, fodido e sem disposição para nada. A não ser ficar coçando o saco e pensando na merda da minha vida. Domingo havia sido a típica segunda-feira , isso não fazia muita diferença já que estava desempregado e sem nenhum trocado, a não ser pela programação da TV que sempre piorava aos domingos, como se isso também fosse possível. Passamos aquele domingo de molho, sem beber nada, entediados, estirados num colchão jogado na sala e ainda assim conseguimos ficar juntos sem ser por obrigação e ter um dia razoavelmente agradável, o que em se tratando de pessoas como nós, já era um milagre. Sim, porque a despeito das diferenças evidentes nós éramos farinha do mesmo saco. Cientistas loucos, cobaias voluntárias do próprio corpo, experimentavamos.
Naquela segunda-feira ela me fez dançar. Inesperadamente sacou um Bukowski da estante, se deitou ao meu lado do colchão e começou a ler aquilo em voz alta. Logo depois das primeiras palavras corri até a geladeira e peguei uma garrafa de catuaba e um copo, acendi um cigarro, dois, um para ela. Tomei um bom trago e ofereci o copo, sem hesitar ela tomou sua parte e continuou a ler. Sentindo o calor da situação – Bukowski & catuaba incendiou nossas mentes e nossos corpos- pediu para tirar a blusa e ficou só de sutiã e continuou a leitura. Como num turbilhão fomos sendo arrebatados para uma esfera mágica de prazer. Parecíamos adivinhar cada palavra e cada palavra parecia nos desvendar. Sorríamos doidamente e bebíamos mais até secar a garrafa. Às vezes interrompíamos a leitura e nos beijávamos como dois animais no cio. O ritmo do fraseado nos envolvia e nos botava em sintonia. Conforme a trama se desenrolava enroscávamos nossas pernas num frenesi intenso. Suávamos e gemíamos alucinados, sentíamos que estávamos trepando em pensamento. Nossos corpos apenas se roçavam e se contorciam ávidos e delirantes, sedentos de um gozo absurdo. No ápice da crônica nossos corpos se declinaram e se aceitaram como duas partes de uma mesma coisa. E encerrando aquelas palavras ásperas & luminosas do velho safado as reticências que prolongaram nosso orgasmo espiritual. O bastante para querer mais. Queríamos mais e mais. Desejávamos intensamente repetir aquilo no instante seguinte. Só então nos tocamos de que não havia mais bebida e que os cigarros também haviam acabado e que estávamos duros. Nesse momento bate na porta a vizinha para devolver magicamente o troco do aluguel. Mágicos trinta mangos! Nunca essa mixaria valeu tanto! Nos abraçamos e nos beijamos felizes como duas crianças que ganharam um brinquedo novo. Sai correndo escada abaixo e fui até o bar mais próximo. Comprei algumas cervejas e cigarros, muitos cigarros. Ela colocou um disco do Adoniran Barbosa e me tirou pra dançar. Dois doidos dançando. Dançamos, bebemos, fumamos e falamos a respeito do que estava acontecendo. Ela ficou um pouco bêbada demais e quis descansar espalhada no colchão. Eu estava tão agitado e ativo que não pude parar de beber e fui até o fim. Ela se recobrou e resolvemos sair um pouco. Fomos pelas ruas de mãos dadas e nossos pés nos levaram ao bar em que nos conhecemos. De volta ao local do crime, não pude conter o descontrole que me havia feito vítima e algoz do nosso amor louco. E foi o fim daquela noite única em que nos achamos & nos perdemos.
feliz dia 13!
c.

3 comentários:

  1. .

    Vem lá do meio do mato
    dá um soco certeiro no meu estômago
    e volto contente para ler as novidades

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  2. uma militante ainda consegue ganhar de uma ex-hippie que se vangloria de ainda ter os pés sujos e piolhos...

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  3. o amor louco que começa com bukowski é andar numa corda bamba sobre um abismo. Sinto absinto abismado num abismo.

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